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Ferrovia gaúcha perdeu metade da extensão em 25 anos de concessão.

Foto: Foto: Francisco Bosco / Especial

Em meio à crise dos combustíveis, os fretes rodoviários subiram 25%, em 2022, na média apurada pelas principais entidades da área no Estado, o que diminui a competitividade do setor produtivo e afeta em cheio o bolso e o consumo das famílias. No país, sobretudo, no Rio Grande do Sul, existe um modal adormecido — abandonado, segundo afirmam alguns especialistas — com potencial para virar esse jogo, elevar a atratividade dos produtos locais e estancar uma ferida que deixa escorrer pelas estradas, a cada ano, cerca de R$ 125,3 bilhões, ou o equivalente a 21,5% do Produto Interno Bruto gaúcho (R$ 582,9 bilhões em 2021), segundo aponta a Câmara Brasileira de Logística e Infraestrutura (Camaralog).

Trata-se da ferrovia, que, contrariando expectativas, ao invés de ser ampliada com investimentos, diminui cada vez mais de tamanho. Para se ter uma ideia, ao longo de 25 anos de concessão, a malha gaúcha perdeu 1,5 mil quilômetros de extensão. Dos 3,15 mil quilômetros ativos em 1997 — ano do início do contrato atual — restaram apenas 1,65 mil quilômetros, ou seja, praticamente a metade do traçado foi suspensa.

Os dados foram atualizados a pedido de GZH, pelo engenheiro e consultor logístico, Daniel Lena Souto, que atuou por mais de três décadas na extinta Rede Ferroviária Federal S/A (RRFFSA), foi diretor da Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH) e secretário substituto de Transportes do RS. Também é o autor do mesmo levantamento, em 2014, por ocasião do lançamento do mais amplo e recente estudo dos gargalos logístico do RS, o Pelt-RS (Plano Estadual de Logística e Transportes).

Oito anos atrás, o projeto já indicava a suspensão de 1 mil quilômetros de trilhos. E basta analisar o comparativo dos mapas (veja abaixo) para perceber que toda a fatia Oeste, uma das principais fronteiras agrícolas gaúchas, deixou de ser um caminho para os trens e as locomotivas. Perguntada sobre os motivos do desmantelamento, a empresa concessionária Rumo S.A (ALL Logística quando abocanhou a concessão, em março de 1997), manifestou-se por nota e considerou que “alguns trechos já não apresentavam viabilidade de carga na época da extinta RFFSA, mas eram subsidiados devido ao viés social”.

O texto aponta que outro fator foi a migração da carga e consequente inviabilidade econômica de linhas e a reativação ou devolução das mesmas será tratada no âmbito do processo de renovação antecipada da concessão Malha Sul. A empresa, que é detentora dos cerca de 7,2 mil quilômetros dessa malha (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo), afirma que, no ano passado, movimentou 3 milhões de toneladas de soja, milho, farelo e trigo — isso é equivalente a cerca de 9% das 33,2 milhões de toneladas colhidas na safra gaúcha 2020/2021 —, e superou em 2 milhões de toneladas o movimento de 2020. O conteúdo também exalta o transporte de combustíveis e fertilizantes, mas não apresenta balanço para esses itens.

Ainda de acordo com o comunicado, as regiões Noroeste e Centro-Ocidental representam mais de 90% do total de cargas transportadas. Em relação a Cruz Alta, o município foi responsável por 59% do total de produtos agrícolas embarcados em 2021. O tempo médio é de 38 horas até o porto de Rio Grande, neste que, hoje, é o principal corredor ferroviário do Estado.

Na ausência de explicações mais detalhadas, o engenheiro Daniel Lena Souto arrisca alguns palpites que envolvem o modelo do contrato. Segundo ele, a concessão exigia apenas que se aumentasse o volume de carga transportada e diminuísse o número de acidentes.

Souto diz que a meta vem sendo atingida com a paralisação de vários trechos e a concentração em locais de maior volume de carga. Mas, o principal, afirma o engenheiro, diz respeito à abrangência global da outorga (quatro Estados) e a opção da empresa por pontos considerados mais “interessantes”.

— A Rumo pode realizar aportes no Paraná, ou em São Paulo, por exemplo, em detrimento do RS, e no total anual, apresentar dados globais ampliados, muito embora diminua sistematicamente a sua participação aqui — analisa Souto.

RS SOBRE TRILHOS

Conheça os trechos de ferrovias desativados em 25 anos no Estado.
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Fonte: Engenheiro Daniel Lena Souto, em atualização do Plano Estadual de Logística e Transportes (Pelt-RS)


Alternativas

Uma das alternativas criadas recentemente, no âmbito do Pro Trilhos (marco regulatório do setor, criado pela Medida Provisória nº 1.065/21), é a possibilidade de outorga da construção de ferrovias por meio de uma autorização, sem necessidade de licitação. O modelo, semelhante ao que ocorre em setores como telecomunicações, portuário e aeroportuário, permite que empresas privadas busquem operar em trechos, hoje desativados, e até mesmo estruturar novos traçados.

Coordenador do Grupo Temático de Logística e Transporte do Conselho de Infraestrutura (Coinfra) da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), Sérgio Luiz Klein, antecipa que há movimentação, ainda incipiente, para realizar um Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica (EVTE), na região de Passo Fundo. A meta seria obter uma autorização para criar um braço gaúcho em uma nova ferrovia que ligaria Maracaju, no Mato Grosso do Sul, até Cascavel e ao Porto Paranaguá, ambas no Paraná. Nesse mesmo projeto já existe solicitação de um grupo de Santa Catarina, em análise, com o objetivo de incluir Chapecó no traçado.

— Passo Fundo seria ligada a Chapecó. Com isso, imagina-se que segmentos da indústria da proteína, com interesse em agilizar o transporte de milho (insumo necessário para a ração animal) possam se beneficiar com a produção de carnes, seja de frango, bovina ou suína. Esse traçado também ligaria o Estado à principal região produtora (Mato Grosso do Sul) — destaca Klein.


Autorização

De oficial, todavia, existe apenas um pedido de autorização com trecho gaúcho no Portal de Transparência do Ministério da Infraestrutura , dentro do Pro Trilho. Trata-se do traçado de 1,5 mil quilômetros, que ligaria Arroio do Sal, no litoral do RS, a Terra Roxa, no Paraná. A análise encontra-se em fase de “compatibilidade locacional”, a terceira das cinco etapas previstas antes da liberação.

A demanda foi protocolada pela empresa Doha Participações S.A. O grupo, que diz ser formado por investidores russos, é o mesmo que ingressou, em outubro de 2020, com uma licença, junto à Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Arroio do Sal para a construção de um porto meridional, no Litoral Norte. O mesmo terminal, entretanto, já despertava o interesse da DTA Engenharia (que deverá tocar o projeto), contratada por empresários da Serra interessados no empreendimento, avaliado em R$ 5 bilhões, por ser mais próximo da região do que o terminal de Rio Grande.

O processo foi encaminhado à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), para instrução. Procurados pela reportagem para averiguar a situação dos investidores em razão das sanções econômicas impostas à Rússia após o início da guerra com a Ucrânia, os representantes do grupo Doha no país alegram estar em viagem e não responderam à solicitação de entrevista para essa edição. Fontes ligadas ao setor afirmam esse grupo pretende unicamente demarcar o traçado, com vistas em negociações futuras, mas sem o interesse real de levar o cronograma adiante, à exemplo do que deve ocorrer no Porto de Arroio do Sal, segundo as mesmas fontes.


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Fonte: Engenheiro Daniel Lena Souto, em atualização do Plano Estadual de Logística e Transportes (Pelt-RS)

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